O relatório da Visa sobre stablecoins é uma análise objetiva e quem está por trás da maioria das transações senão os usuários reais?

As stablecoins, promessa de estabilidade e utilidade da criptografia, enfrentam um grande desafio: seu uso real. Um estudo recente realizado pela Visa e Allium Labs revelou que mais de 90% das transações de stablecoin não são de usuários genuínos.

De acordo com Cuy Sheffield, chefe de criptografia da Visa, o total de transações envolvendo stablecoins em 24 de abril nos últimos 30 dias totalizou monumentais US$ 2,65 trilhões.

No entanto, apenas uma fração – 265 mil milhões de dólares – foi identificada como proveniente de “atividades de pagamentos orgânicos”, destacando uma enorme lacuna entre a utilização reportada e a utilização autêntica.

Apesar dessa discrepância, o estudo observou um crescimento constante no número de usuários ativos mensais de stablecoin, indicando um interesse persistente nesses ativos.

Isto levanta a questão: se a maioria das transações não são conduzidas por utilizadores reais, quem as conduz e o que isso poderá significar para o mercado criptográfico?

O que realmente está acontecendo?

Stablecoins são criptomoedas projetadas para manter um valor estável, atrelando-as a um ativo subjacente, normalmente uma moeda fiduciária como o dólar americano. Esta estabilidade torna-os atraentes para vários fins, incluindo comércio, remessas e transações diárias.

Apesar de sua utilidade, o painel da Visa revela que menos de 10% dos volumes de transações de stablecoin são considerados provenientes de “atividades de pagamentos orgânicos”.

Uma das principais razões para esta discrepância é a prevalência de bots no espaço criptográfico. Esses bots podem executar transações em altas velocidades e volumes, distorcendo a percepção da adoção real do usuário e dos padrões de uso.

Entretanto, a natureza flexível das redes blockchain também contribui para este desafio. Blockchain permite uma ampla gama de casos de uso, incluindo transações automatizadas. Esta flexibilidade pode dificultar a diferenciação entre transações realizadas por utilizadores reais e aquelas conduzidas por processos automatizados.

Outro fator que contribui para a discrepância nos volumes de transações de stablecoin é a dupla contagem de transações.

Por exemplo, converter US$ 100 de stablecoin A em stablecoin B em qualquer exchange resultaria em US$ 200 de volume registrado de stablecoin. Esta prática pode inflar os volumes de transações e criar uma impressão enganosa sobre o uso real de stablecoins.

Visa e Allium Labs usaram dois filtros para identificar tais atividades.

Os filtros aplicados incluem um filtro de volume unidirecional, que conta apenas a maior quantidade de stablecoin transferida em uma única transação, eliminando transações internas redundantes de interações complexas de contratos inteligentes.

Além disso, um filtro inorgânico de usuários é aplicado, considerando apenas transações enviadas por contas que iniciaram menos de 1.000 transações de stablecoin e US$ 10 milhões em volume de transferência nos últimos 30 dias.

Fonte: Painel de análise Visa Onchain

Apesar da diferença no volume total de transferências e no volume de transferências ajustado pelo bot, a análise revelou um aumento consistente no número de usuários ativos mensais de stablecoin. Em 24 de abril, em todas as redes, havia 27,5 milhões de usuários ativos mensais, indicando uma tendência de crescimento constante.

Análise das tendências de uso de USDC e USDT

A análise da Visa revela um crescimento impressionante no uso de moedas em dólares americanos (USDC) nos últimos oito meses.

Em setembro de 2023, o USDC representou 23% de todas as transações de stablecoin analisadas pela Visa.

Fonte: Painel de análise Visa Onchain

No entanto, até ao final do ano, este número mais do que duplicou, ultrapassando 50% de todas as transações de stablecoin. Desde dezembro de 2023, o USDC tem sido consistentemente responsável pela maior parte das transações de stablecoin, chegando a 60% em fevereiro de 2024.

Esta tendência contrasta com a capitalização de mercado do Tether (USDT) e do USDC.

Em 7 de maio, o USDT ostentava um valor de mercado de aproximadamente US$ 111 bilhões, muito superior ao valor de mercado do USDC de pouco mais de US$ 33 bilhões.

Esta discrepância sugere que, embora o USDT continue a ser a stablecoin dominante em termos de capitalização de mercado, o uso do USDC em transações reais está ultrapassando o USDT.

Pranav Sood, gerente geral executivo para EMEA da plataforma de pagamentos Airwallex, comentou que as descobertas da Visa indicam que as stablecoins ainda estão em um estágio inicial como instrumento de pagamento. Ele sugeriu a necessidade de melhorias nos sistemas de pagamentos existentes para garantir a sua eficácia.

No entanto, nem todos os especialistas concordam com a análise da Visa.

Nick van Eck, cofundador da Agora, startup especializada em stablecoins, criticou a metodologia da Visa. Ele argumentou que os dados podem incluir empresas comerciais, que são empresas legítimas que utilizam stablecoins, distorcendo assim a percepção da adoção real pelos usuários.

O relatório da Visa e a ascensão das stablecoins

O recente relatório da Visa alinha-se com a crescente importância das stablecoins na facilitação de pagamentos transfronteiriços.

De acordo com a Sacra, uma empresa de pesquisa de mercado, o volume de transações de stablecoins aumentou de US$ 26 bilhões em janeiro de 2020 para impressionantes US$ 1,4 trilhão em abril de 2024 e poderia potencialmente ultrapassar o volume total de pagamentos da Visa no segundo trimestre de 2024.

Sacra informou ainda que as transações de stablecoin são processadas em minutos, um forte contraste com as 6 a 9 horas exigidas pelos sistemas tradicionais.

Em termos de custo, as transações de stablecoin também são mais baratas, com taxas tão baixas quanto US$ 0,0037, em comparação com a taxa média de US$ 12 para métodos tradicionais.

Entretanto, os principais bancos, incluindo Wells Fargo, JPMorgan Chase, Visa e Mastercard, estão a explorar a utilização de stablecoins para melhorar a sua infraestrutura de pagamento.

O que resta compreender aqui é se os relatórios da Visa são para expor os factos ou se estão a tentar minar a concorrência.

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